Atrasos na Ferrovia: Da Visita do Papa aos Roubos de Material e Planos Inexecutáveis

Lisboa, 16 de outubro de 2024 – O setor ferroviário português enfrenta uma nova onda de críticas devido aos atrasos recorrentes na execução dos planos de modernização da rede ferroviária nacional. Os atrasos são atribuídos a uma combinação de fatores, que incluem desde o impacto da visita papal de 2023 até ao aumento significativo de roubos de material em estaleiros de obras. A situação torna-se mais grave com a constatação, por parte de especialistas, de que o plano inicial traçado para o setor é “desadequado” e praticamente impossível de ser cumprido no espaço de quatro anos.

Atrasos e Impossibilidade de Execução

O plano de modernização ferroviária, apresentado em 2020 pelo governo, previa uma série de intervenções essenciais na rede de transportes para melhorar a mobilidade e conectividade no país. Contudo, quatro anos após o lançamento desse ambicioso plano, várias obras permanecem inacabadas ou sequer iniciadas. As metas estabelecidas, que incluem a eletrificação de várias linhas, modernização de infraestruturas e melhoria do material circulante, estão longe de serem atingidas.

O engenheiro ferroviário João Miranda, consultado por várias entidades sobre o desenvolvimento do projeto, afirmou recentemente que o plano proposto em 2020 nunca foi realista. “Foi um projeto mal concebido desde o início, com prazos irrealistas e subestimação dos custos. A ideia de que seria possível modernizar toda a rede em quatro anos é claramente desfasada da realidade”, declarou.

O Impacto da Visita do Papa

Um dos principais fatores que contribuíram para os atrasos na ferrovia foi a visita do Papa Francisco a Portugal em 2023, durante as Jornadas Mundiais da Juventude. O evento de grande escala exigiu a mobilização de recursos significativos para garantir a segurança e a operacionalidade das infraestruturas de transporte, o que acabou por paralisar temporariamente vários projetos ferroviários.

“Grande parte dos trabalhadores e recursos que estavam alocados para as obras foram desviados para garantir que as infraestruturas estivessem em condições adequadas para receber o evento. Isto acabou por atrasar ainda mais os prazos das obras em curso”, explicou um responsável do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).

Além disso, após a visita papal, verificou-se uma grande demanda de transporte público, o que sobrecarregou ainda mais o sistema ferroviário já obsoleto e sem a manutenção adequada.

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Roubos de Material: Um Problema Crescente

Outro obstáculo significativo tem sido o aumento dos roubos de material nas obras ferroviárias. Só em 2024, houve um aumento de 30% nos casos de furtos de cabos de cobre, trilhos e outros materiais essenciais para o andamento das obras. Os estaleiros em várias regiões do país tornaram-se alvos frequentes, afetando diretamente o ritmo dos trabalhos.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) está a investigar várias quadrilhas organizadas envolvidas no roubo de metais. Estes materiais, especialmente o cobre, têm um alto valor no mercado negro, e as quadrilhas estão a visar ativamente os estaleiros ferroviários.

Segundo as autoridades, a falta de vigilância adequada e a extensão dos estaleiros dificultam a prevenção desses crimes. “Os prejuízos financeiros decorrentes dos roubos são enormes, além de comprometerem seriamente os prazos das obras. Há estaleiros que precisam parar os trabalhos por dias ou semanas à espera de reposição de material”, relatou uma fonte da polícia.

Reações do Governo e do Setor Ferroviário

O Ministério das Infraestruturas tem enfrentado pressão crescente para justificar os atrasos e a falta de segurança nos estaleiros. Em resposta, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, afirmou que o governo está ciente dos desafios e está a trabalhar para resolver os problemas. No entanto, as explicações do governo não têm sido suficientes para apaziguar as críticas, tanto de especialistas como de associações de defesa do consumidor.

A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) já denunciou o impacto dos atrasos nas viagens ferroviárias, que se reflete em aumentos de preços e na deterioração do serviço prestado aos passageiros. “Os utentes do transporte ferroviário são os que mais sofrem com a falta de investimentos e com a incapacidade de concretizar as promessas de modernização. As condições de muitas estações e carruagens continuam a ser precárias”, afirmou Paulo Fonseca, porta-voz da DECO.

Os operadores ferroviários também têm expressado frustração. A Infraestruturas de Portugal (IP), responsável pela gestão das infraestruturas ferroviárias, reconheceu que o volume de obras e a falta de financiamento adequado dificultaram a execução do plano. Além disso, a IP sublinhou que o aumento do preço dos materiais de construção, em consequência da inflação global, adicionou um novo entrave ao processo.

A Expectativa dos Utentes

Entretanto, os utilizadores dos serviços ferroviários continuam a manifestar o seu descontentamento com os atrasos e a deterioração do serviço. Com obras inacabadas em várias linhas, incluindo a Linha do Norte e a Linha do Oeste, a oferta de comboios tem sido insuficiente para atender à procura. Além disso, as falhas de material circulante e as frequentes interrupções nas viagens têm levado a um aumento significativo das reclamações.

Em Lisboa, Maria Costa, utente diária da Linha de Sintra, comentou: “É um absurdo que, em 2024, estejamos a falar de obras que deveriam ter sido concluídas há muito tempo. As viagens são um pesadelo, com atrasos constantes e comboios lotados. Não há desculpa para tamanha ineficiência”.